quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

a VERDADE

Só o peso da palavra é já de si demasiado para os ombros de alguém.

Incomodar?... É possível não incomodarmos? É desejável?

Eu desejo. QUERO SER INCOMODADO!

E quero incomodar.

Por vezes vou ser injusto. Em outras tantas vezes estarei errado. Por certo exagerarei em demasiadas ocasiões.

Mas as trajectórias individuais são sempre sub-produtos dos cruzamentos de vidas - alguns verdadeiramente dolorosos.

Não acredito na VERDADE! As nossas orientações devem ser plurais: os nossos valores, os outros, a natureza, a imaginação, o nosso corpo,...

Acredito na conversação, na observação, na experiência, no pensamento, nos sonhos, na leitura.



A senhora - gorda - vive isolada, não porque é gorda, mas porque é vista como tal.

Mas será ela VERDADEIRAMENTE gorda? Ou é porque nós a rotulamos como tal?

Se somos nós que construimos essa imagem, não nos compete mudar, e procurar outras formas de lidar com o que é gordo, ou com o magro, o alto, o pequeno, o preto, o branco, o homossexual ou o cristão, o indigente ou o mais popular. Etc.

A irritação é uma sensação difícil, mas é caridosa. Pode nos dar capacidade de abertura.

Quem deve saber se quer ser incomodado e até quanto quer ser incomodado é cada um. Mais: acredito que, numa sociedade que não lida bem com as marginalidades, todos precisamos de protecção, porque todos somos de alguma forma marginais, ou excêntricos.

É nos "encontros" que se podem estabelecer limites. Talvez a verdade signifique encontrar.

Às escondidas

Talvez a vida, ou a nossa relação com a verdade, se resuma a um jogo

"Hide and Seek"




Música e letra de Imogen Heap

penpal

para consultar ....

http://socrates.berkeley.edu/~noe/

E se a bela adormecida não acordasse?



Ela capta por momentos uma emanação do mundo, breve. Bela. Bela por ora, rendida à sua beleza adormece sonhando com o passar dos anos e com o peso que o tempo inflige à carne. Poderia nunca ter fingido e mostrar quem realmente acredita ser, por detrás de todo este volume, existiu um dia alguém que aquele cão conheceu, única testemunha viva dessas memórias. Existe ainda como bem se vê alguém que resiste ao tempo e que vai acordar. Não está aliás bem a dormir, tem pensado em diversas ocasiões que sonha acordada. O que tem sido critica para além destas paredes.
- Se quiseres consegues, se quiseres mesmo consegues, se quiseres consegues!
Aqui o tempo não passa tão rápido e essas palavras tão cheias não pesam nada, nada!

Quem se atreve a perturbar a quietude neste quarto? Alguém quer mesmo saber a verdade?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Esclarecimentos

É verdade que existe sempre quem esteja disponível. Assegurando que o espaço público, que é feito por todos os tipos de pessoas, esteja também disponível.

Existem contudo demasiados vegetantes" e isso é lamentável. Mas, defendo que a procura dos disponíveis, gente com uma larga capacidade para investir, é da responsabilidade de cada um. É fundamental ter presente que com a liberdade vem a responsabilidade. E antes de mais nada cada um é responsável pela gestão da sua própria vida.

O segundo esclarecimento que procuro fazer neste post tem haver com aquilo que digo em "Duas Caras". Porque se presta a equívocos. Nessa análise faço uma sobreposição de duas narrativas, uma mais psicológica e universal e uma mais social e localizada.

A intimidade é um espaço interessante onde se desenrolam riquíssimas tramas. Concordo em absoluto. E a exposição pública dessa vivência é problemática para qualquer ser humano. Essa questão é universal. Isso também foi captado pelo Miguel Torga. Fica ainda por exclarecer se esse é um problema de imaturidade das sociedades humanas ou se será uma característica psicológica própria da humanidade. A outra narrativa falava sobre a incapacidade dos portugueses para se exporem. Defendi que isso se deve à imaturidade democrática da nossa sociedade.

Pretendo corrigir a dita sobreposição com um argumento estatístico. Ou seja, o que distingue aquilo que é universal do que específico (não exclusivo) do caso português é a intensidade e frequência dessa incapacidade. As sociedades podem dar mais ou menos "espaço" às trajectórias de cada indivíduo. Principalmente, no que respeita à pressão correctiva exercida pelo todo sobre as escolhas mais excêntricas de cada um.

A diferença entre uma sociedade cuja pressão sobre as excentricidades é mais ou menos intensa pode significar uma espaço social com uma percentagem maior ou menor de indivíduos que se sentem auto-determinados, e por isso confiantes e motivados para investir - no trabalho, nos outros, em si próprios, no espaço público, etc.

Portando, o que quero dizer é que o português tem de se debater, primeiro, com uma condição normal à humanidade e, segundo, com o facto de nascer e viver numa sociedade que ainda não é capaz de lidar com aquilo que lhe é estranho. Essa sociedade está indisponível, estatisticamente falando, e produz muitos vegetantes.

Mas esse vegetar, quanto a mim, é já uma antecâmara para uma nova sociedade. É já o fim de uma coisa ultrapassada. É um período pré-renascimento, passo o exagero. Parece-me que os percursos individuais já são em número e diversidade suficiente para, primeiro, gerar desejos fortes e diferenciados, segundo, criar conflitos e tensões sociais tão frequentes e cada vez mais intensos, que, terceiro, estão a pressionar a vivência íntima de cada um no sentido de expelir para o espaço público toda essa diversidade.

E assim tornar a nossa sociedade estatiticamente mais disponível.

Veremos.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

coisas simples

O espaço público está disponivel. Não vazio, antes meio de transição.
É no dominio privado que se desenrola a trama, que os personagens habitam a cena e se movem. É ai no involucro humano que se gera a intensidade dramática que o espectador é impelido a adivinhar ou a deslocar-se até ela.



Duas caras

Homem novo que vens, olha a beleza!
Olha a graça que o teu instinto pede.
Tira da natureza
O luxo eterno que ela te concede.

Miguel Torga em "Libertação"

Aqueles que "Continuam aqui roendo as unhas!" a ver a vida como se fosse um filme não têm uma cara só. Hoje, são mais os que vivem uma vida pública, entediante, apanhnados pelas palavras de Egito Gonçalves, em simultâneo como uma outra, privada, excitante, como nos sugere Miguel Torga.

O que se vê no espaço público é a rotina. O enfadonho. Mas, com atenção, podemos descobrir nos outros todo uma intensidade, uma vida cheia de vidas por cumprir.

A fonte dessa intensidade é o resultado de um processo de diferenciação individual, da criação de uma identidade excêntrica, mas ainda presa numa cultura de "paz pública".

É uma identidade que está para emergir...

Depois de muitos anos sombrios, ditatoriais, este conflito surge como a antecâmara da individualização no espaço público. É isso que acredito.

Foi por isso que Miguel Torga nos falou.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Egito Gonçalves - Os Vegetantes

Continuam aqui
roendo as unhas!

Substituem as unhas por poemas
(ou cafés, futebol, anedotário)
e estilhaçam espelhos que na luz
ao seu devolvem a cruel imagem.

Vidrado limo o rosto
de rugas sem memória
assistem à vida como um filme:
disparar sobre a tela é proibido
e além do mais inútil.

Curvam ao solo os ombros
escorjados; curvam-nos para
duradouras urtigas, seixos
sem horizontes, epitáfios
de lama, dezembros, poeira fria.

Se chovem as esperanças não acorrem
a apanhá-las na boca ao ar aberto.
Tijolo articulado a língua balbucia
"É a vida!". Sementes violadas
não germinam.

Em vão os bombardeiros os oráculos
com agulhas de sangue. Nada tentam
para vida à fala que utilizam,
ao país do cansaço que entre dentes
ressaca.

E fazem do amor essa triste umidade,
um delíquio formal logo amortalhado.

São dóceis, cibernéticos,
dia a dia premiados
de alguns gramas a mais
o chumbo do pescoço.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Pensamento Nº 2 - ser devir

"A memória é mais uma máquina autónoma e dinâmica de revisões: recordamo-nos da última vez que nos lembrámos do acontecimento e, sem que demos conta, alteramos a história da cada vez que voltamos a recordá-la."


Nassim Nicholas Taleb, em O Cisne Negro, 2007

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Fase crítica da humanidade

Em textos anteriores defendi que o isolamento no século XXI vai ser acima de tudo cognitivo, fruto da incapacidade intelectual para dar resposta a toda as solicitações do meio (social e natural). Cresce um fosso entre a capacidade individual e o crescimento do todo colectivo, resultando num cada vez maior isolamento intelectual e afectivo. Agora pretendo explicar como é que o aumento das necessidades intelectuais tem implicações no aumento das necessidade afectivas e como é que esta dinâmica é acentuada pelas narrativas essencialistas de identidade.

Esta espécie de narrativa cria uma dinâmica de construção das percepções das identidades muito simplista. Adaptadas, apenas, a sociedades mais simples, porque encerram os individuos num conjunto reduzido de qualidades, valorizadas por determinados requisitos e que acabam por ser apresentadas pela essencialidade de cada um. Estes requisitos são baseados, por um lado, na constância e frequência com que se expressam e, em conjunto, desenham os traços de personalidade dos indivíduos, dando-lhes uma aparente coerência de raciocínio e comportamental. Por outro, essas duas qualidades conferem uma ideia de poder, isto é, as características de personalidade expressas de forma mais constante e frequente são aquelas que mais orientam o desenvolvimento lógico e comportamental do indivíduo, influenciando de forma determinante a sua ontologia futura. É assim que se constroem as narrativas de identidade quando se procura afincadamente o que é “essencial” em cada um.

Acontece que estes pressupostos que suportam estas narrativas minam a nossa capacidade de desenvolvimento e a nossa relação com este mundo complexo em que vivemos. Assumo nesta abordagem que a personalidade é algo mais vasto, que não se deverá reduzir a uma pequena porção dos nossos comportamentos ou pensamentos mais constantes.

Como disse estas narrativas geram sentido. Mas é um sentido íntimo e é um sentido cada vez mais fechado. Quando sabemos bem o que nos caracteriza, de tal forma que se torna intuitivo, as reacções a qualquer coisa que sintamos, e que ameaça a nossa individualidade, torna-se intensa e espontânea. Essa intensidade emocional é a medida da nossa maturidade individual, mas também é a medida do grau de intolerância ao “estranho” ou ao novo. O aumento da incapacidade de acomodar nova informação através da conciliação desta com a nossa estrutura de valores (ou narrativa de identidade)resulta no crescimento de tensão emocional latente. Como disse anteriormente, nessa situação, quando falta criatividade ou imaginação para viver no mundo complexo, a relação com o meio (social e natural) faz-se exclusivamente a partir dos valores. Sendo os valores as zonas mais estabelecidas da personalidade de cada um, qualquer ameaça à sua integridade despoleta reacções violentas. Ora numa sociedade em que o ambiente é cada vez mais diverso, essas linhas de fractura são também cada vez maiores. É desta forma que nos vamos fechando aos outros e ao mundo em geral.

Quanto a mim as narrativa essencialistas amplificam os sentimentos de exclusão, e, de certa forma, são elas que obstruem o desenvolvimento de acordo com as “leis” de ajustamento exigidas em ambientes voláteis como os ambientes complexos. Mais, quaisquer circunstâncias podem converter esta conflitualidade latente numa conflitualidade pública grave. É aqui que as narrativas do devir podem ser úteis, porque defendem a potencialização do ser humano, valorizando as suas reservas de personalidade. Aquilo que na personalidade não é central, que é ténue, às vezes estranho, inquietante. Ou seja tudo o temos memorizado e que “recebemos” dos ambientes excêntricos ao nosso quotidiano, ou por quaisquer outras vias menos ordinárias à nossa rotina.

Esta fase da humanidade é nova porque se organiza e promove o surgimento de novas especialidades, individualidades e localidades e que pretende, simultaneamente, mantê-las sintonizadas com o global. É este o desafio que me permite arriscar concluir que estamos a atravessar um período crítico da humanidade.

A valorização da especialidade e a defesa da liberdade individual são movimentos recentes originados nas sociedades ocidentais e que se desenvolveram durante os séculos XIX e XX. Chegados ao século XXI a sociedade evoluiu de tal forma na sua diversidade que terá atingindo um ponto crítico. Fê-lo à custa de dinâmicas paralelas, com sentidos inversos, cresceu na homogeneidade cultural global e na heterogenidade dos nichos disciplinares e culturais. Agora as escolhas são as seguintes: continuar a promover a individualização e a especialização, defendendo narrativas abertas sobre a identidade, que se baseiam na ética da aprendizagem, ou, pelo contrário, promover a redução da heterogeneidade. Defendendo uma ordem de qualquer tipo, redutora da incerteza, instabilidade, etc. Esse é um dos perigos da vertigem resultante do desconhecido. A fase é crítica por isso, porque pode existir uma tentação de responder aos desafios através de uma regressão às soluções do passado.

A hipótese que aqui defendo é suportada na ideia de que as narrativas de identidades podem ser vistas como molas. Tal como esses objectos que são capazes de aguentar uma certa pressão até que, uma vez ultrapassada, se estragam, as sociedades podem desenvolver estas lihnas de fractura até entrar em ruptura. Se a sociedade decidir evoluir no sentido da redução da heterogeneidade poder-se-á manter a visão essencialista da identidade, se a opção for da continuação do desenvolvimento da complexidade, que permite evoluir em diferenciação e em globalidade, a mola tem de ser de outro tipo. É por isso que é importante dar atenção às narrativas do devir. Estas desvalorizam a ideia de que o ser humano se deve caracterizar apenas pelas suas características estáveis e de maior poder. Assumindo que no mundo complexo todas as reservas de personalidade são sementes potenciais para a aprendizagem, de ajustamento, mudança e expansão.

Somos uma multiplicidade de dimensões, assumimos uma vastidão de personalidades, de acordo com cada contexto, ao longo do espaço e do tempo. E porque estamos sempre a aprender, sintonizamo-nos cada vez mais com mais contextos que nos estimulam a alterar aspectos da nossa mentalidade e comportamento. Sugiro por isso que encaremos a nossa identidade como algo mais vasto, mas também mais circunstancial. Só assim viveremos mais de acordo com as nossas escolhas e com as exigências do nosso meio. Só assim viveremos assumindo uma identidade única sem viver permanente num sobressalto emocional e com a sensação de que estamos constantemente a romper com o que somos, com a sociedade e com o meio.