Será que encontrámos um assunto que interessa visceralmente a ambos? Falemos então de identidade e individualidade.
Começo por dizer que o isolamento de que estou a falar não é o isolamento físico dos antigos ascetas religiosos. Nem a competição exacerbada se cinge às questões profissionais.
O isolamento do século XXI é uma consequência do mundo complexo em que vivemos, nesse contexto surge uma dificuldade em dar um sentido às coisas. Esta sociedade exige mais da racionalidade mas a capacidade de processamento mental é cada vez mais insatisfatória. E, quanto a mim, é também deste afastamento, dos fluxos de sentido ou racionalidade, que emerge a “fome” de afectos. Aspecto essencial da racionalidade, como muitos defendem, entre eles António Damásio (em "O erro de Descartes"). Portanto, sem capacidade de gerar sentido, o confronto do indivíduo com a realidade faz-se directamente com as estruturas mais profundas da personalidade – os valores.
Esse relacionamento deixa de ser amortecido pela racionalidade e/ou pela imaginação. Se isto que estou a dizer é verdade, compreende-se o desespero e a destemperança de tanta gente. Pois as suas experiências são sentidas como validações da sua própria identidade. Nomeadamente, a opinião dos outros têm o efeito permanente de legitimação ou deslegitimação da sua própria existência.
O que defendo é que esta dinâmica é exacerbada pelas narrativas que orientam a nossa socialização, que são baseadas em narrativa de identidade essencialistas. Nas quais os valores, e todo o discurso concordante com a sua lógica, são os principais elementos de sustentação da individualidade. Mas sobre isso espero dizer qualquer coisa em próximos posts.
Por outro lado, o que queria dizer quando referi a expressão “competição exacerbada” insere-se no nosso contexto cultural, que é cada vez mais o da cultura mediática. Esta cultura caracteriza-se pela excessiva valorização da notoriedade e por uma certa competição pelo tempo de atenção.
Acontece que estas necessidades tornaram-se objectivo na nossa cultura, e vão para além da vontade individual de aparecer na televisão ou noutro meio de comunicação. Esse desejo é já uma consequência dos nossos valores de sociabilização, e que gerem uma parte importante das nossas acções, neste mundo tecnologicamente mediatizado (o desejo de aparecer na TV será também subsequente, porque também alimenta essa cultura). Mas os espaços de atenção em qualquer relação (ou suporte) são limitados, portante é a forma como os encaramos e valorizamos que pode tornar mais ou menos determinante para a vida de cada um a quantidade de atenção que recebemos.
Tenho vindo a notar uma certa escalada nas reacções ao sentimento de exclusão dos afectos. Isso parece dever-se à mediatização crescente da sociedade portuguesa. Como se procura reconhecimento imediato, a atenção é uma forma necessária de apaziguar e tornar funcional os espíritos tumultuosos com os quais convivemos. Substitui o afecto (qualitativo) e gera a sensação de que se está dentro do fluxo gerador de sentido. O que pode ser irreal. Mas apazigua o espírito por momentos. Mas a cultura manda, o valor orienta, a insuficiência mantém-se e a disposição de competir por esse espaço impôe-se novamente. Gerando os mesmos padrões comportamentais dos vícios.
Actualmente uma pequena falha na capacidade de gerar esse reconhecimento, cada vez em mais situações e num maior número de vezes, são tidas como determinantes. Desenvolveu-se uma hiper-sensibilidade a essas questões. São sentidas como falhas na lealdade, e, demasiadas vezes, com consequências catastróficas nos relacionamentos pessoais e profissionais. Digamos que, de acordo com a mesma lógica, são os valores dessas pessoas que são postos em causa, logo a sua identidade.
É assim que relaciono os fluxos de sentido, de afectos - a racionalidade - com a competição exacerbada – ter pertença nalgum fluxo de racionalidade - como os consequentes sentimentos de exlusão e reacções à sensação de isolamento.
Continuação segue dentro de momentos.
Finalmente é Sexta-feira
Há 12 anos